10/09/2010

ESTUDOS EM HERMENÊUTICA BÍBLICA

Capítulo 6

A LEI DO CONTEXTO

ESTUDOS EM HERMENÊUTICA BÍBLICA

Ou, Leis Básicas de Interpretação da Bíblia

Pr. Davis W. Huckabee

A palavra “contexto” significa literalmente “tecer junto”, e lida com aquilo que vai antes e depois de uma palavra ou passagem específica das Escrituras. Assim, o contexto de um texto das Escrituras são os versículos ao redor que têm relação com o mesmo assunto ou tema. Um pastor amigo, o irmão Charles Whaley, explicou bem quando disse: “Não há nenhum texto separado do contexto”. Danos incalculáveis foram cometidos por pessoas que tiraram um texto ou frase de seu contexto, e o interpretaram sem referência aos versículos ao redor.

Citamos um exemplo para mostrar a tolice disso, e embora poucas pessoas iriam ao extremo que o nosso exemplo foi, mas algumas interpretações são totalmente perigosas por sua plausibilidade aparente. Um pregador, que tinha uma séria aversão a mulheres usando coque, determinou pregar uma mensagem contra esse costume. Mas não conseguindo encontrar um texto que condenasse essa prática, ele escolheu quatro palavras de Mateus 24:17, tirou-as de seu contexto e pregou sobre o tema “Removendo o Coque”. A referência a essa passagem mostra que não há a referência mais remota a cabelo, moda feminina, nem mesmo ao sexo feminino em alguma maneira. No entanto, a passagem serviu para justificar o preconceito. E lamentavelmente, às vezes tal tolice é ainda praticada por homens que se preocupam mais com suas opiniões do que com a exposição correta da Palavra de Deus.

Um dos fatores básicos na Inspiração lida com esse assunto, conforme lemos em 2 Pedro 1:20-21: “Sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo”. Observe-se primeiramente que profecia aqui e em outras partes das Escrituras não se restringe a eventos futuros que são preditos. A palavra grega propheteia significa literalmente proclamar = pregar, e esse é o sentido mais comum nas Escrituras quando essa palavra é usada.

Isso “significa a proclamação da mente e conselho de Deus (pro, para frente, phemi, falar: veja PROFETA)… Embora boa parte da profecia do Antigo Testamento seja puramente de previsão, veja Miquéias 5:2, por exemplo, e confira João 11:51, a profecia não é necessariamente, nem mesmo principalmente, prognosticadora. É uma declaração daquilo que não se pode conhecer por meios naturais, Mateus 26:68, é a proclamação da vontade de Deus, quer com referência ao passado, ao presente ou ao futuro, veja Gênesis 20:7; Deuteronômio 18:18; Apocalipse 10:11; 11:3”. — W. E. Vine, Expository Dictionary of New Testament Words (Dicionário Expositor do Novo Testamento), Vol. III, P. 221.

Alguns sustentam de modo errôneo que o versículo 20 proíbe qualquer indivíduo de decidir por si o que alguma Escritura significa. Essa é principalmente a posição do catolicismo que tem, até em tempos bem recentes, proibido seu povo de até ler a Bíblia, muito menos determinar seu sentido, mas eles recebiam ordens de deixar a “Igreja” decidir o sentido, e deixar a “Igreja” dizer ao povo no que crer. Contudo, esse não é o sentido desse versículo, conforme a tradução literal revela. Literalmente essa posição diz: “Nenhuma proclamação da Escritura é da sua própria e livre interpretação”, e a razão é dada no versículo 21, “porque a proclamação nunca foi produzida por vontade de homem algum”, etc. Deus deu as Escrituras a Seus porta-vozes escolhidos, e Ele deve dar a interpretação delas. Mas ao dizer que nenhuma Escritura é da sua própria e livre interpretação, sugere-se que não se deve tirar nenhuma Escritura de seu contexto e interpretá-la como se estivesse totalmente sozinha, sem nenhuma relevância para quaisquer outras Escrituras. O contexto muitas vezes “desatará” o nó de algo que de outro jeito seria impossível entender. O erro que muitas pessoas cometem é não interpretar uma Escritura de acordo com seu contexto.

É fato que a maioria das teorias prediletas baseia-se em perversões do verdadeiro sentido e aplicabilidade do texto, pois as teorias que são sustentadas com mais tenacidade e apresentadas com paixão, são geralmente as teorias com menos comprovação nas Escrituras. Essa parece uma das fraquezas característica da carne — dar importância maior ao que tem importância menor.

Pedro advertiu contra esse próprio problema — torcer as Escrituras para tentar forçá-las a dizer o que não dizem. Depois de falar das epístolas de Paulo, e das verdades profundas que elas contém, ele disse: “…que os indoutos e inconstantes torcem, e igualmente as outras Escrituras, para sua própria perdição”. (2 Pedro 3:16) Deve-se observar de passagem que Pedro foi inspirado a colocar as epístolas de Paulo no mesmo nível das “outras Escrituras”. Isso também se aplicaria àquilo que o Espírito Santo havia movido Pedro a escrever.

As palavras que Pedro usou aqui são instrutivas. “Torcer” traduz strebloo, que é a forma verbal de um substantivo que se referia a um instrumento de tortura, e assim se refere à tortura com um sarilho, ou torcer até desconjuntar. É isso o que se tenta fazer com uma Escritura quando se não quer entendê-la em seu contexto e deixá-la dizer o que tinha o propósito de dizer. “Perdição” é o sentido literal da palavra aqui usada, mas também é traduzida “destruição”, pois muitas vezes tem a conotação de destruição espiritual. E essa é evidentemente a idéia aqui, conforme indica o seguinte versículo: “Vós, portanto [ele está tirando uma conclusão a partir do versículo precedente], amados, sabendo isto de antemão, guardai-vos de que, pelo engano dos homens abomináveis, sejais juntamente arrebatados, e descaiais da vossa firmeza”. Perverter uma Escritura a fim de se estabelecer uma interpretação pessoal é uma característica dos homens maus, e tem sua própria maldição, pois entorta o entendimento que o indivíduo tem da verdade e estabelece a falsidade em seus pensamentos. Mas os verdadeiros santos podem também se desviar nesse assunto, pois todos temos ainda uma mente carnal que deve ser mantida em submissão ao Espírito Santo.

Se as pessoas apenas dessem maior atenção ao contexto de qualquer Escritura que estão considerando, noventa por cento das heresias e interpretações incorretas que atormentam o Cristianismo seriam eliminadas. A maioria das interpretações erradas surge do fato de haver uma visão muito limitada do assunto sob discussão, e também por causa da tentação de interpretar as Escrituras à luz das modernas crenças e práticas. O escritor se arrisca a citar outro exemplo, erro no qual ele próprio já caiu em determinado tempo. Há uma teoria sobre a “vida intermediária”, que sustenta que na morte a pessoa não vai para o céu nem para o inferno, mas em vez disso vai para um lugar intermediário de confinamento até a vinda de Cristo. Em determinado tempo esse escritor apoiava esse erro, e uma das Escrituras em que ele se escorava para provar isso era Atos 2:34. “Porque Davi não subiu aos céus”. Entendia-se que essa passagem provava que deve haver um “estado intermediário”, pois Davi estava morto havia muito tempo, porém ele não havia subido ao céu. Contudo, o erro se baseava na ignorância do contexto.

Lendo o contexto, logo ficamos sabendo que o assunto que está sendo discutido aqui não é a “vida intermediária”, nem é de forma alguma o estado da alma que está em debate. O apóstolo está aqui argumentando que Jesus na verdade era o que Ele afirmava ser, e que o Pentecoste era prova do fato de que Jesus realmente havia ressuscitado dos mortos e subido fisicamente ao Pai, conforme já havia sido predito em profecia. A ressurreição física de Cristo é o assunto aqui, pois Davi não havia subido fisicamente ao céu, de modo que a profecia não poderia se referir a ele. Um conceito pré-formado envolvendo a teoria do estado intermediário permaneceu com esse escritor durante três ou quatro anos, impedindo-o de entender corretamente essa maravilhosa passagem, mas quando ele a leu em contexto, a verdade finalmente irrompeu. Isso fez com que esse escritor ficasse mais consciente da necessidade de observar o contexto inteiro em qualquer passagem antes de aplicar sobre ela alguma interpretação dogmática. Desde então, com o passar dos anos escrevendo comentários acerca de quase todos os versículos do Novo Testamento, esse escritor constatou repetidamente que entender dentro do contexto inteiro quase sempre nos dá uma percepção mais reta de qualquer versículo.

A pregação expositiva era o tipo mais comum achado no Novo Testamento, e é claro que essa pregação envolve pegar uma parte das Escrituras e examiná-la, em vez de pegar só um texto ou tópico e desenvolver uma mensagem em torno dele. Por esse motivo, a pregação expositiva geralmente lida com uma parte maior das Escrituras do que lida com qualquer outra forma de pregação, e é pois mais fiel ao contexto de qualquer dado versículo do que qualquer outra forma de pregação. Assim essa pareceria ser a forma ideal de pregar a Palavra. No entanto, a pregação tópica e textual é também importante e muitas vezes necessária, mas devemos sempre considerar o contexto.

Mas podemos e devemos aplicar para todo o nosso estudo esse mesmo princípio e sempre fazer questão de estudar o contexto inteiro de qualquer versículo, até mesmo quando envolve vários capítulos. E todo o nosso esforço impedirá a aplicação de uma interpretação errônea num versículo isolado. O evangelismo popular que usa “Caminhando em Romanos” erra nesse aspecto, pois pega Romanos 10:13 e constrói uma pirâmide invertida em cima desse único versículo, com pouca ou nenhuma atenção ao contexto. É gloriosamente verdade que “Quem invocar o nome do Senhor será salvo”. Mas há nove capítulos e meio de contexto antes desse versículo que precisamos entender para que não lhe apliquemos uma interpretação totalmente errônea. A negligência de levar em consideração os capítulos de um a três de Romanos deixará os homens ignorantes da depravação total de todos os homens de modo que eles não perceberão sua necessidade. E sem conhecimento de Romanos 3:24-5:1 os homens permanecem ignorantes da necessidade absoluta da redenção que existe única e completamente em Cristo. E se os homens não perceberem que essa redenção é aplicada unicamente pela graça soberana, Romanos 5:20-21, eles sentirão uma auto-suficiência que os impossibilitará de sentir a necessidade de invocar o Senhor. É fácil obter profissões de fé se um Evangelho pervertido e incompleto for apresentado, mas a negligência de apresentar toda a verdade condenará o pecador para sempre, e fará com que o pregador descuidado seja culpado do sangue dos homens, Atos 20:26-27.

O contexto determinará, na maioria dos casos, o assunto de qualquer versículo, pois há geralmente um discurso conectado. A única exceção é o Livro de Provérbios que, conforme seu título sugere, é uma coleção de ditados curtos sobre muitos assuntos. Contudo, até mesmo em Provérbios há às vezes uma continuidade de assunto através de vários versículos ou, num exemplo, vários capítulos (o assunto de “Sabedoria” é bem proeminente em vários capítulos).

As Leis até agora consideradas estão todas inter-relacionadas, pois a Lei Um diz: “Deus deu uma revelação?” A Lei Dois pergunta: “Sou submisso à revelação de Deus?” Então a Lei Três pergunta: “Qual é o sentido dos termos usados?” A Lei Quatro então pergunta: “Quais as maneiras em que os termos são usados?” A Lei Cinco pergunta: “Quais a leis gramaticais que governam os termos usados?” Enquanto a Lei Seis pergunta: “Qual é o assunto do contexto em que está esse versículo?” Tudo isso é muito importante na hora de determinar a interpretação correta das Escrituras, e onde essas leis são ignoradas ou violadas, não dá para evitar erro e interpretações incorretas das Escrituras.

Todos os cristãos precisam se preocupar com a interpretação correta da Palavra da Verdade, não só por amor a si, pois todos devemos algum dia “comparecer ante o tribunal de Cristo”. (2 Coríntios 5:10), para dar “conta de si mesmo a Deus” (Romanos 14:12), mas por amor aos outros também. Nós todos temos influência sobre outros, quer queiramos ou não, e por esse motivo devemos ser sãos na fé, do contrário desencaminharemos outros. O erro doutrinário na vida de uma pessoa pode não ter conseqüências tão sérias quanto tem em outros que seguem o exemplo dessa pessoa, pois ela pode ter outras crenças que são sadias o suficiente para impedi-la de se aprofundar no erro. Mas pode ser que seus seguidores não tenham essas verdades para contrabalançar, e assim sejam mais ainda desencaminhados.

Autor: Pr Davis W Huckabee
Fonte: www.obreiroaprovado.com

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